sábado, julho 30, 2011

Corrupção institucional

"Despacho n.º 1/XII — Relativo à atribuição ao ex-Presidente da Assembleia da República Mota Amaral de um gabinete próprio, com a afectação de uma secretária e de um motorista do quadro de pessoal da Assembleia da República.
Ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR), publicada em anexo à Lei n.º 28/2003, de 30 de Julho, e do n.º 8, alínea a), do artigo 1.º da Resolução da Assembleia da República n.º 57/2004, de 6 de Agosto, alterada pela Resolução da Assembleia da República n.º 12/2007, de 20 de Março, determino o seguinte:
a) Atribuir ao Sr. Deputado João Bosco Mota Amaral, que foi Presidente da Assembleia da República na IX Legislatura, gabinete próprio no andar nobre do Palácio de São Bento;
b) Afectar a tal gabinete as salas n.º 5001, para o ex-Presidente da Assembleia da República, e n.º 5003, para a sua secretária;
c) Destacar para o desempenho desta função a funcionária do quadro da Assembleia da República, com a categoria de assessora parlamentar, Dr.a Anabela Fernandes Simão;
d) Atribuir a viatura BMW, modelo 320, com a matrícula 86-GU-77, para uso pessoal do ex-Presidente da Assembleia da República;
e) Encarregar da mesma viatura o funcionário do quadro de pessoal da Assembleia da República, com a qualificação de motorista, Sr. João Jorge Lopes Gueidão;
Palácio de São Bento, 21 de Junho de 2011
A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção Esteves.
 DR II Série-E — Número 1

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quinta-feira, julho 21, 2011

CDS-a armadilha

A economia europeia encontra-se armadilhada e está prestes a rebentar como uma bomba relógio. Não são fáceis as “soluções” para a UE ultrapassar a crise financeira em que se deixou cair. Os atrasos na apresentação de medidas que possam “salvar” o euro revelam precisamente tais dificuldades. Angela Merkel já avisou, em vésperas da cimeira que hoje decorre, que não haverá que esperar “soluções” espectaculares; o mesmo é dizer que não se esperem “soluções” definitivas suficientes para ultrapassar de vez e de modo satisfatório a crise do euro. O mais provável é que saia da reunião medidas limitadas que, como até aqui, não resolvam a crise mas a adiem mais algum tempo. Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas parece ser a estratégia adoptada pelos líderes europeus. 
A bomba relógio que paira sobre a UE deve-se a um activo, forjado pela engenharia financeira neoliberal, que tomou em muito pouco tempo proporções extraordinárias e que está a condicionar, face aos perigos que encerra, a tomada de posições dos líderes europeus sobre a crise. Os CDS (credits default swaps) inventados em 1989 só a partir do ano 2000 se tornaram de uma negativa crucial importância no mundo financeiro. Os CDS são uma espécie de seguro que fazem os investidores das Dívidas Públicas sobre os seus investimentos. De valor mínimo de 10 milhões de dólares o volume de transacções dos CDS em 2008 (e tem aumentado desde então) atingiu o astronómico valor de 65 biliões de dólares, superior a 1,35 vezes a produção económica mundial. Os bancos que negoceiam estes CDS com os investidores, tornam-se também eles investidores e asseguram iguais operações com outros bancos numa espiral de clonagem sem fim.
As instituições financeiras de diversos países encontram-se assim gravemente expostos a um “default” de um qualquer pais de dívida pública elevada já que teriam de assegurar os investimentos de dívida por inteiro e dado os montantes em causa, a quebra (default) da Grécia por exemplo, colocaria em risco o próprio sistema financeiro europeu.

Entendem-se agora as dificuldades que reinam entre os líderes europeus. Não querendo, por estas razões e só por estas razões, “deixar cair” a Grécia, não pretendem também tornar demasiados dispendiosos os custos do seu resgate. Encontram-se na verdade numa encruzilhada, cheia de contradições que os impede de “soluções” rápidas e efectivas. Foram enclausurados na própria teia em que se deixaram envolver pela sua própria inépcia e pelo mundo financeiro desregulado que permitiram. 

Apanhados na própria armadilha

Não querendo os líderes dos países europeus não periféricos, por estas razões e só por estas razões (volume e operações dos CDS), “deixar cair” a Grécia, não pretendendo também tornar demasiados dispendiosos os custos do seu resgate mas, enclausurados na própria teia em que se deixaram envolver pela sua própria inépcia e pelo mundo financeiro desregulado que permitiram, foram agora apanhados na sua própria armadilha e forçados às cedências que antes, de forma até arrogante, nunca admitiram.
O presidente do BCE, terá alertado ontem, nas vésperas da cimeira de Bruxelas, Sarcozy e Angela Merkel, em prolongada reunião, das trágicas consequências para o sistema financeiro de um eventual default da Grécia. Só assim se compreenderá a cedência de última hora de Merkel. Descida de juros da dívida pública e alargamento de prazos dos países resgatados; empréstimos do FEEF a países não resgatados para recompra de dívida quando sujeitos à especulação dos mercados; injecção de capital do FEEF em instituições financeiras em dificuldades de países não intervencionados; troca de títulos de dívida (troca, renovação ou recompra) com o objectivo de ajustá-los às novas condições dos empréstimos; um “plano Marshall” para a Grécia.
As bolsas europeias, perante a catástrofe eminente, logo que se aperceberam deste novo arranjo de medidas, mais com o coração do que com a cabeça, subiram de imediato. Resta saber agora qual o seu comportamento, depois de calmamente escrutinaram tais medidas no novo arranjo financeiro da dívida dos países periféricos.

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terça-feira, julho 19, 2011

Por que o euro não merece ser salvo

A Dinamarca, a Suécia e o Reino Unido, por exemplo, integram a União Europeia, mas não fazem parte da união monetária. Não há nenhuma razão para que o projecto europeu não prossiga e que a UE não prospere sem o euro.
E há boas razões para esperar que seja isso que aconteça. O problema é que a união monetária, ao contrário da própria UE, é um ambíguo projecto de direita. Se isto não era claro no início, tornou-se agora completamente evidente, numa altura em que as economias mais fracas da zona euro estão sendo sujeitadas a punições que antes estavam apenas reservadas para os países de baixo – e médio – rendimento, apanhados nas garras do FMI (Fundo Monetário Internacional) e dos líderes do G7. Em vez de tentarem sair da recessão através de estímulos fiscal ou/e monetário, como fez a maior parte dos governos do mundo em 2009, estes países estão sendo obrigados a fazer exactamente o contrário, com enormes custos sociais.
Às feridas juntam-se os insultos: as privatizações na Grécia ou "a reforma do mercado de trabalho" na Espanha; os efeitos regressivos das medidas tomadas na distribuição de renda e riqueza; e um Estado Previdência que encolhe e enfraquece, enquanto os bancos são resgatados com o dinheiro dos contribuintes – tudo isto indicia claramente uma agenda de direita das autoridades europeias, tal como a sua tentativa de tirarem partido da crise para introduzirem mudanças políticas de direita.
A integração económica europeia anterior à zona euro era de uma natureza diferente. A União Europeia esforçava-se para puxar para cima as economias mais fracas e proteger as vulneráveis. Mas as autoridades europeias provaram ser impiedosas na união monetária.
Parece que boa parte da esquerda europeia não percebe a natureza de direita das instituições, das autoridades e, especialmente, das políticas macroeconómicas que têm de enfrentar na zona euro.
Isto faz parte de um problema mais amplo de incompreensão da opinião pública sobre a política macroeconómica mundial, que permitiu que bancos centrais de direita implementassem políticas destrutivas, mesmo sob governos de esquerda. Esta incompreensão, em conjunto com a falta de contribuição democrática, pode explicar o paradoxo de, actualmente, a Europa ter mais políticas macroeconómicas de direita do que os Estados Unidos, apesar de ter sindicatos mais fortes e outras bases institucionais para uma política económica mais progressista.
Mark Weisbrot, Washington,14/07/2011 (Opera Mundi)

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segunda-feira, julho 18, 2011

As medidas necessárias

Desde há muito que se tornava previsível o profundo fosso em que o país mergulharia. Os altos défices orçamentais, associados ao fraco crescimento económico registados nos últimos anos, só poderiam resultar numa severa crise financeira, económica e de dívida pública. Mas qual a verdadeira razão para que na última década o nosso crescimento médio anual registasse um valor muito aquém da média europeia na ordem de apenas 0,55% do PIB. Qual a razão pela qual os valores dos défices públicos, de ano para ano, se apresentassem sempre com valores muito acima dos 3%?
Os políticos, economistas e outros comentadores do “sistema” atribuem como causas desta situação os gastos sociais do Estado, os gastos com a Segurança Social, com os funcionários públicos, etc.
Na verdade, a despesa pública assume valores elevados nestes sectores, contudo estão muito longe de corresponder na qualidade e quantidade nos serviços prestados aos valores com eles despendidos. Por exemplo, de 1995 a 2001, o número de funcionários da função pública aumentou cerca de 20%, logo uma despesa acrescida de 20% na massa salarial da função pública sem que tal aumento de funcionários ou despesa tenha correspondido a uma melhoria da mesma ordem de 20% nos serviços prestados pelo Estado; não se sentiram melhorias na Justiça, Educação, Saúde ou Segurança.
Os "excessivos" gastos públicos terão que ser procurados então no grau de qualidade e eficácia da gestão do Estado. E isto nos leva ao verdadeiro cancro das nossas finanças públicas. À corrupção institucional que se alastrou sobre a administração pública nestes últimos 16 anos e que tem como face mais visível os múltiplos, desnecessários e parasitários órgãos da administração do Estado entretanto criados.
A crise financeira internacional veio apenas acelerar e pôr a descoberto o atoleiro em que nos afundámos mas a verdadeira causa do nosso desastre financeiro, económico e social deve-se à corrupção institucional que se instalou na administração pública. Duvidamos que o actual governo se torne capaz de resolver este problema.
Medidas simples mas eficazes deveriam ser tomadas desde já.
- A extinção de todos os órgãos do Estado e empresas municipais criadas a partir de 1995 e, depois de avaliada a necessidade ou não dos serviços neles e nelas prestados, promover ou não a sua integração nas direcções gerais da administração central e nos departamentos camarários existentes.
- Avaliação da oportunidade de todos os órgãos do Estado e empresas municipais criados em data anterior ao ano de 1995.
Vamos ver até onde chega a “coragem” do actual governo. Aqui, não precisa de alteração da Constituição como no caso da extinção dos cargos de governadores civis em que o governo foi lesto no anúncio mas ineficaz na execução.

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sábado, julho 16, 2011

A crise europeia e a agonia neoliberal

A longa agonia do arcabouço ideológico neoliberal registou mais um espasmo pedagógico.

Na terça-feira (5) governantes e autoridades financeiras da União Européia rangeram e rugiram diante da decisão da agencia de risco Moody's, que reduziu a classificação dos títulos da dívida portuguesa para a categoria ‘junk’ (lixo).
Lisboa acaba de obter um socorro de 78 bilhões de euros, em três anos, em troca de um pacote de ajuste que o próprio primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, direitista assumido, admite ser um gigantesco contrato de recessão com o futuro. A exemplo do que faz a Grécia, a auto-imolação lusa inclui demissões, cortes de gastos em áreas essenciais, aumento de impostos e privatização, inclusive da tevê pública portuguesa.
Inútil. O veredito da Moody’s baseia-se na constatação de que o sacrifício não será suficiente porque não é viável.
A sentença coloca sob suspeição e risco todo o esforço na mesma direção implementado pela troika -Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o FMI - para evitar o desmonte financeiro da UE, trincado verticalmente pelo pré-calote da Grécia, a quebra da Islândia, o descrédito crescente na solvência das dívidas soberanas da Espanha, Itália, Bélgica etc.
As interações estruturais nessa engrenagem avariada não tardaram a dar razão ao pânico desencadeado pelo rebaixamento da dívida portuguesa.
Vinte e quatro horas após o disparo da Moody’s, ações dos bancos espanhóis, que detém mais de 50% da dívida externa portuguesa, desabaram.
O efeito contágio atingiu também a dívida soberana da Espanha obrigando Madri a elevar os juros pagos aos seus credores ao nível mais alto dos últimos três meses e jurar de pés juntos: ‘Nãos somos Portugal; não somos a Grécia.
O rastilho derrubou as bolsas de Milão, Frankfurt, Paris, Londres, Atenas e Dublin na quarta-feira, deixando claro o abraço de afogados que tais ‘imprevistos’ desencadeiam. E continuarão a desencadear.
Mas o episódio português ilustra, sobretudo, os paradoxos típicos dos crepúsculos históricos. À falta de novos protagonistas - e de novos projetos -, criaturas e criadores do capítulo agonizante se desentendem nos seus próprios termos.
É assim que se deve interpretar a reação contrariada da dama de ferro prussiana, a chanceler alemã Ângela Merkel, diante da decisão da Moody’s.
“É importante que a troika não permita que lhe retirem a capacidade de avaliação”, disse Merkel referindo-se à estratégia definida pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia e pelo FMI para os resgates de países em dificuldades financeiras, casos da Grécia e de Portugal.
O que Ângela Merkel está exigindo, no fundo, é que os entes sagrados do neoliberalismo devolvam aos Estados – portanto à soberania da política - o poder de comandar o destino da sociedade e da economia.
Bem mais enfático – a refletir a sua extração à esquerda da chanceler - o diretor da Agência das Nações Unidas para o Comércio Mundial e o Desenvolvimento (UNCTAD), Heiner Flassbeck, ex-secretário de Estado das Finanças alemão, disparou: “As agências de rating deviam limitar-se a avaliar empresas, não deveriam avaliar Estados”. Thomas Straubhaar, presidente do Instituto de Economia Mundial, de Hamburgo, foi lapidar: “A política foi monopolizada nas mãos de um punhado de institutos de avaliação”.
Nada como uma crise após a outra para iluminar as distorções da história.
No auge da glória neoliberal, nos anos 80/90 e até meados de 2000, as agencias de risco figuravam como uma espécie de mensageiro divino.
Investidas de poderes para emitir julgamentos sumários quanto a salvação ou o sacrifício das criaturas históricas, determinavam a sorte e os azares de bancos, empresas, governos e Nações. Direta ou indiretamente, todos eram instados a vergar suas vontades ao implacável torniquete indutor das avaliações de risco.
Uma espécie de ectoplasma da autorregulação num tempo em que tudo o que exalasse a soberania política ou planejamento público era picado e salgado na sarjeta do anacronismo obscurantista, as agências de risco reinavam incontestáveis nesse tempo.
Estavam acima da lei e da ordem; da urna e da Constituição. Acima da própria democracia.
Sobretudo a santíssima trindade representada pela Standard & Poor's, a Moody's e a Fitch – que determinavam, e ainda detém, 90% do poder de consagrar o que presta e o que não presta no universo da economia mundial— expressava o próprio espírito dos mercados, avessos a qualquer outro princípio ou ética que não a mobilidade irrestrita dos capitais.
Na mídia nativa, vanguardeira das boas causas do ramo, colunistas da gema ortodoxa vociferavam – ainda o fazem , com menor audiência, é certo - contra afrontas do governo Lula aos princípios desse poder ubíquo.
O argumento final irrespondível como irrespondíveis são as sentenças divinas, invariavelmente brandia a ameaça de uma punição no ‘rating’, a tábua sagrada de classificação do ‘risco–país’ das ditas agências.
Erigiu-se assim um círculo de ferro formado pela supremacia dos mercados financeiros desregulados, as agencias de risco e os centuriões vigilantes da mídia, associados à malta de consultores genuflexos.
Uma espécie de poder mundial opaco, mas contundente, vigiava e punia. À semelhança do panóptico de Foulcaut cuidava de assegurar que instituições, governos, empresas, mas também partidos —inclusive os de esquerda— se auto-vigiassem renunciando às transgressões ao credo neoliberal, um processo ao mesmo tempo repressivo e auto-adestrável.
Uma instituição de cooperação internacional, ou um banco privado, ou ainda um fundo de investimento, jamais poderiam – e ainda não podem - investir num país ou num projeto público ou privado que não tivesse o ‘OK’ das agências de risco. Era o vigia oculto do panóptico a condicionar projetos e agendas desde o seu nascimento. Nenhuma surpresa assim que o debate estratégico e mesmo certos vocábulos – ‘projeto de desenvolvimento’, ‘socialismo’, ‘soberania’, estatização’ e, claro, ‘comunismo’ - tenham sido extirpados da vida política nesse período. Menos surpresa ainda que um vazio intelectual vertiginoso tenha se instaurado na vida interna dos partidos, inclusive do PT brasileiro ao longo desse ciclo e de maneira progressiva até cristalizar o silêncio atual.
O interdito desse poder supracional tinha força suficiente para humilhar presidentes eleitos, obrigando-os a picar e engolir programas de governo sancionados nas urnas, caso afrontassem dogmas sagrados dos mercados.
Essa capa de inviolabilidade sagrada começou a esgarçar-se antes da crise mundial.
Em dezembro de 2001, por exemplo, a Enron, a sétima maior empresa dos EUA, gigante do setor de energia fortemente beneficiada pela desregulação nessa área, ruiu escandalosamente. A soterrá-la, uma montanha de práticas fraudulentas, avaliações falsas de ativos, transações simuladas entre diretores e investidores e milhões de dólares embolsados por uma verdadeira gangue de experts do jogo financeiro leve, livre e solto.
Nenhuma agencia de risco advertiu nem antecipou aos investidores incautos que havia uma mazorca em curso dentro de uma das maiores empresas de energia do mundo.
Auditores ‘independentes’,como a Arthur Andersen, haviam aprovado as contas da Enron pouco antes do rombo de US$ 13 bilhões derrubar as bolsas em todo o planeta.
Assim, de tropeço em tropeço, omissão e omissão, a santíssima trindade das agencias veria sua aura perder brilho crescente até se tornar um buraco negro no auge da crise mundial, em 2007/2008/2009.
Quando o banco Lehamann Brothers quebrou em setembro de 2008, dando a largada para a maior crise do capitalismo desde 1929, seus papéis desfrutavam de avaliação AAA pelas criteriosas agencias de risco.
Um mês depois do Lehamann Brothers quebraria a Islândia.
Até quase a véspera do naufrágio, a mesma Moody’s que agora esfaqueia a direita portuguesa pelas costas – ou lhe desfecha ‘um murro no estômago’, no dizer do desabrido primeiro-ministro conservador, Pedro Passos Coelho - emprestava às finanças islandesas o carimbo de um triplo A: segurança, rentabilidade e solidez.
Na farra das subprimes nos EUA, papéis de créditos podres fatiados e ‘inseridos’ em pacotes de investimento tóxicos tiveram igualmente um lubrificante eficaz na chancela das agencias de risco, para escorregarem goela abaixo de fundos espertos e investidores crédulos mundo afora.
O resultado desse intercurso é conhecido, embora ainda inconcluso.
A colisão que se assiste agora entre agencias e a ortodoxia da troika do euro configura os esgares de uma época que teima em não terminar. Seu crepúsculo não será revertido com remendos para salvaguardar povos e nações dos riscos embutidos na ação das agencias de risco.
Num ato falho, como vimos acima, a chanceler alemã Ângela Merkel, cobrou que os entes criados pelos livres mercados não usurpem a prerrogativa da troika de ditar os rumos da sociedade.
Devolver à política a soberania das decisões sobre a liberdade humana e o destino do desenvolvimento, porém, não é algo que se possa fazer de forma compartimentada e estanque.
O que a chanceler não parece entender, porque não pode ou não quer, é que a mesma prerrogativa vale para a sociedade grega, por exemplo, 75% dela contrária ao esmagamento ortodoxo que a troika afrontada agora pela Moody’s quer impor ao país, com o apoio de uma Parlamento-zumbi, a contrapelo da praça Sintagma. É ali, a exemplo de outras praças e ruas do mundo, que a multidão revitaliza o único poder capaz de se opor à ditadura dos mercado, das agencias e do dinheiro: a democracia participativa.
Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior

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sexta-feira, julho 15, 2011

Dívidas ilegítimas e/ou odiosas

1) Os empréstimos estão cheios de condições que violam os direitos económicos e sociais de uma grande parte da população.
2) Os prestamistas fazem chantagem a esses países (não há uma verdadeira autonomia de vontade de quem necessita do empréstimo).
3) Os prestamistas enriquecem-se de forma abusiva impondo tipos de juros proibitivos (por exemplo, a França e a Alemanha tomam empréstimos a 2 % nos mercados financeiros e emprestam a mais de 5 % à Grécia e à Irlanda; os bancos privados obtêm empréstimos a 1,25 % do BCE, e emprestam à Grécia, Irlanda e a Portugal a mais de 4 % a 3 meses). Estes países ou os da Europa de Leste (e fora da UE, países como a Islândia), quer dizer aqueles que são submetidos à chantagem dos especuladores, do FMI e de outros organismos, como a Comissão Europeia, convém que recorram a uma moratória unilateral de reembolso da dívida pública. É um meio inevitável para conseguir criar uma relação de força favorável. Esta proposta é cada vez mais popular nos países mais afectados pela crise.
Também, se deveria efectuar, sob o controlo dos cidadãos, uma auditoria da dívida pública. O objectivo da auditoria é conseguir uma anulação /repúdio da parte ilegítima ou odiosa da dívida pública e reduzir fortemente o que resta da dívida.

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quinta-feira, julho 07, 2011

O "murro no estômago"

Independentemente das obscuras agendas das empresas de rating, o certo é que, com as medidas impostas pela Troika a Portugal, o país se vê impossibilitado de cumprir a curto e a médio prazo com o pagamento dos encargos da Dívida Pública. Aquelas medidas são de cariz recessivo e irão provocar seguramente mais recessão e desemprego. Não haverá assim crescimento económico nos próximos anos e, não havendo crescimento, não haverá condições aos pagamentos da Dívida.
Quando, os economistas do sistema contestam a decisão da Moody’s do corte de rating a Portugal, não será tanto pela lógica da decisão mas pela sua oportunidade. Argumenta-se que os técnicos da FMI, do BCE e da UE avaliaram o país e impuseram um “memorando” que está a ser cumprido pelo novo governo pelo que não faz sentido, neste preciso momento, avaliar tão negativamente as condições económicas e financeiras do país. Contudo, não existe contradição alguma entre a descida do rating e o previsível resultado da aplicação das medidas da Troika. A descida de rating traduz as consequências da aplicação futura do “memorando”, enquanto as avaliações dos técnicos do FMI, BCE e UE e as medidas por eles impostas, tiveram como única preocupação proteger os credores de Portugal.
Na verdade, o que preocupa a UE, FMI e BCE não será a correcção ou incorrecção da classificação da Moody’s mas o entrave que tal classificação causa na aplicação do governo das medidas impostas pela Troika. Isto é, a perturbação que poderá causar na aplicação do seu plano de salvaguardar os interesses financeiros das instituições financeiras credoras. O que a Moody’s fez foi desmascarar, por a nu, esta estratégia da EU, FMI e do BCE - salvar as oligarquias financeiras e desprezar o desenvolvimento económico e financeiro dos países em dificuldades. Quando o governo, o presidente da república, os economistas do sistema e os demais comunicadores nos pretendem fazer crer que Portugal “está no bom caminho”, eis que a Moody’s nos vem alertar de que o nosso futuro é mais recessão, mais desemprego e mais drama social.
E àqueles que questionam qual a alternativa, será necessário contrapor que o caminho seguido até aqui é que não constitui qualquer alternativa. Insistir num caminho que nos conduz a um maior desastre é um absurdo. Um outro caminho é possível. Desde logo renegociar com a UE com uma nova postura, não a do “bom aluno” submisso, mas a de um parceiro com condições a impor – admitindo tudo na mesa das renegociações - a hipótese do default, da auditoria da dívida e da saída do euro.

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quarta-feira, julho 06, 2011

Lixo

Tudo leva a crer que o ministro das Finanças terá sido alertado, alguns dias antes da decisão da Moody’s, tomada ontem, em baixar o rating da dívida portuguesa para o nível considerado “lixo”. Só assim se compreenderá a intempestiva medida do corte no subsídio de Natal anunciada pelo governo. Foi uma medida de última hora na desesperada tentativa de fazer recuar as intenções da Moody’s. Não resultou efeito como não resultará no futuro, neste exercício de força dos “mercados”, mostrar obediência cega aos obscuros desígnios da cleptocracia financeira.
Portugal é apenas um pequeníssimo peão neste vasto jogo praticado pelas instituições financeiras globais. Especular com o euro, atacando-o pelos seus pontos mais fracos, (Grécia e Portugal) parece ser a estratégia desenhada. Com uma fraquíssima e incompetente liderança europeia os seus objectivos estão facilitados e sem grande esforço alcançarão os seus propósitos - sacar capital do enfraquecimento do euro e continuar com a especulação das dívidas dos países mais débeis da União Europeia.

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terça-feira, julho 05, 2011

Ingenuidade ou comunhão de interesses?

Esta concordância absoluta com os ditames da UE, da Troika, isto é, do BCE e do FMI ou melhor ainda, da cleptocracia financeira, revela não apenas uma ingenuidade e imaturidade política mas igualmente uma total comunhão com a estratégia económica, financeira e social desta ofensiva neoliberal a que assistimos por toda a Europa. Não trazem bons resultados esta cega obediência às exigências da UE. A União Europeia há muito que deixou de ser, se alguma vez o terá sido, uma pessoa de bem. Quando se “ajudam” os países com juros de 6%, obtendo o financiamento para esse efeito nos mercados a juros de 3 ou 4 %, dificilmente se poderá considerar como pessoa de bem.
É profundamente ingénuo, acreditar que os “mercados” considerarão as “boas intenções” do governo de Passos Coelho e que venham a descer os juros da dívida pública para os valores de há dois anos atrás. Tal como a piranha que logo que a presa sangre não interrompe a sua voracidade assim agem os “mercados”. É o que está a acontecer com a Grécia. E chegados a 2015, a Grécia estará incomensuravelmente pior económica e socialmente. Com uma dívida pública astronomicamente maior, com maior recessão e com um retrocesso social de décadas. Mas, será que os funcionários da UE e os líderes europeus não se apercebem da inutilidade dos sacrifícios que estão a ser impostos ao povo grego? Claro que o enxergam. Mas o que está em causa, a única preocupação de momento, é salvar a todo o custo e quanto antes, os bancos franceses e alemães atolados em dívida pública grega. Não importa o brutal e inevitável agravamento social e económico da Grécia. Mais do que uma união económica ou social a União Europeia é hoje uma união financeira. E, neste sentido, o default financeiro da Grécia tornar-se-ia mais perigoso para esta União Europeia financeira que o seu “default” social e económico.
Neste mundo neoliberal o mundo financeiro não existe para servir as nações, os povos, os cidadãos, mas ao contrário, são os povos que existem para servir o mundo financeiro. Neste mundo neoliberal, 80% da população cada vez mais pobre e sacrificada deve servir os restantes 20% cada vez mais ricos e folgados. Nestas “democracias” neoliberais, os sacrificados, a esmagadora maioria da população, deve servir os ricos como do interesse nacional se tratasse. É pelo menos isso que eles fazem crer como não podia deixar de ser. Com os poderosos meios de comunicação social ao seu serviço.

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sábado, julho 02, 2011

Cleptocracia financeira

viCman
A única preocupação da União Europeia, nestes tempos de crise, tem consistido na procura de soluções que satisfaçam os interesses das instituições financeiras abaladas com a crise financeira especulativa que rebentou em 2008 e com todas as sequelas a ela associadas. O agravamento das dívidas públicas dos países periféricos é uma delas. Das sucessivas reuniões da senhora Merkel, do senhor Sarcozy e do senhor Trichet, parecem não terem surgido soluções satisfatórias. Em seus discursos fala-se dos mercados, de como assegurar os pagamentos das dívidas públicas, de cortes sociais e de “reformas” laborais. Não se fala dos cidadãos nem do chamado projecto social europeu. Alias, a palavra social, parece só por si, causar alergia aos actuais líderes europeus. Só há palavras para a “consolidação financeira”, o mesmo é dizer que só há palavras para a satisfação dos interesses financeiros da cleptocracia financeira.
Cleptocracia financeira de uma voracidade, insaciável, bárbara, sem piedade, sem limites, obrigando países, através dos seus governantes, meros agentes serventuários, à sua própria imolação. O que está a acontecer agora com a Grécia, mas em breve outros países se seguirão é de uma violencia sem limites. A Grécia, em 2011 deverá privatizar o monopólio de apostas e lotarias OPAP, o Postbank, a empresa de gestão de águas de Salónica (a segunda cidade do país) e as empresas de gestão portuária de Pireu e Salónica. De 2012 a 2015 seguem-se as privatizações da empresa de águas de Atenas, refinarias, empresas eléctricas, o ATEbank, a gestão dos portos, aeroportos, auto estradas, direitos de exploração de minas, propriedades imobiliária e terrenos estatais. Uma verdadeira razia, retirando ao povo grego a gestão social de todos os sectores estratégicos indispensáveis ao desenvolvimento de uma economia ao serviço da sociedade. Um verdadeiro saqueio, a que haverá de acrescentar a imposição de novo aumento generalizado de impostos e novos cortes sociais. E tudo isto, na certeza de que em 2015, a Grécia estará em piores condições económicas e financeiras do que se encontra hoje. Com mais dívida, com mais recessão e com a miséria do seu povo. E então, o que acontecerá depois? Ninguém se atreve a antever o futuro sombrio da Grécia e da UE. Primeiro, será preciso que a cleptocracia financeira arrecade o espólio grego depois, será o que Deus quiser. É esta a dimensão política dos senhores que governam hoje a Europa! Empurrar com a barriga os problemas para a frente.
É a cleptocracia financeira que hoje governa a UE. Não existe qualquer tipo de solidariedade entre os países da UE. Ao contrário, o que existe é um individualismo exacerbado em cada um dos países que a constituem, procurando cada um deles tirar vantagens económicas e financeiras ludibriando os demais. Recorrendo à chantagem se necessário. Como classificar a “ajuda” a Portugal quando se cobram juros de 5 e 6% quando, os países que o financiam recorrendo aos “mercados” para esse empréstimo, obtém juros de 2 e 3%? Para esta UE tudo é negócio.
O que está a acontecer na Grécia, Portugal e Irlanda é um problema demasiado sério para a União Europeia que não deveria ser tratado apenas como simples problemas de dívida, operações e encaixes financeiros. É um problema político que deveria merecer soluções políticas. Infelizmente quem governa a Europa não são políticos mas mercenários ao serviço da cleptocracia financeira; incapazes portanto de gerar soluções políticas que defendam melhores condições de vida e de bem-estar dos povos europeus.

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