sexta-feira, agosto 05, 2011

Ao serviço de quem?

Os líderes europeus parecem estar de algum modo surpreendidos com o agravamento dos juros da dívida soberana da Espanha e da Itália. Depois da cimeira de 21 de Julho e das medidas ali adoptadas, terão considerado que o seu “esforço” na procura de “soluções” para a crise da dívida seria apreciado pelos “mercados” e assim, sem preocupações de maior, partiriam descansados para férias. Na verdade, as tréguas dos “mercados” foram demasiado curtas o que veio lançar um novo e grande sobressalto entre eles. As “soluções”, afinal, não eram soluções, o que tem levado um sem número de antigos líderes europeus, economistas e comentadores políticos da área do poder, a insurgirem-se contra a “liderança” europeia, queixando-se mesmo da falta de uma liderança europeia capaz de uma solução clara e definitiva para a actual crise das dívidas e do próprio euro.
Uma vez mais estamos perante uma grande mistificação.
Na verdade, os actuais líderes europeus não são mais, que a emanação política do domínio financeiro e económico dos “mercados”, o mesmo é dizer das oligarquias financeiras. Foram as oligarquias financeiras que se apropriaram, mercê da falta de regulação, da criação de ofshores e da sua não contribuição para a receita pública, porque gozam de isenção de impostos dos rendimentos (deste modo acumulados) que agora emprestam aos países, a juros cada vez mais altos. Como imaginar então ser possível, que os líderes europeus, que desenharam e continuam a desenhar, todo este ambiente indispensável à acumulação de rendimentos, toda esta política europeia visando a satisfação dos interesses exclusivos do capital financeiro, dos mercados, das oligarquias financeiras, encontrar “soluções” contrárias aos interesses destas oligarquias? É um contra -senso. Poderão lançar algumas lágrimas de crocodilo, desfazerem-se em queixumes, mas jamais serão capazes de alterar as causas profundas da crise das dívidas soberanas e ultrapassá-las eficazmente.
Os governantes dos vários países da união europeia não estão ao serviço das suas populações mas exclusivamente ao serviço das oligarquias financeiras. As medidas de austeridade sobre os cidadãos, diminuição de salários e pensões, redução do papel social do Estado, aumento de impostos sobre o trabalho, que atingem mais de 80% dos cidadãos de cada país, são a demonstração clara das opções dos governantes. Em vez de procurarem receita, de modo a manter o estado social, taxando as operações financeiras, extinguindo os ofshores e aplicando impostos ao capital, preferem sacrificar os seus povos, numa regressão social sem memória.
Os povos nada têm a esperar destes governantes. A sua manutenção no poder apenas agravará todos os problemas e dificuldades já existentes. Ou os cidadãos encontram rapidamente alternativas políticas capazes de inverter este rumo sem futuro, ou então, uma longa noite sombria e miserável se abaterá sobre os povos europeus.

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quinta-feira, agosto 04, 2011

Isentar o capital, taxar o trabalho

Neste mundo globalizado a que nos conduziram, neste mundo de circulação livre de capitais e produtos, constituem as dívidas acumulados de cada país, ao que nos afirmam, a maior ameaça à estabilidade económica, financeira e social das sociedades.
Depois da “crise” financeira exportada dos EEUU e provocada pela “engenharia financeira” que em cascata exportou para todo o mundo os chamados “produtos tóxicos” e provocou profundas e brutais perdas nas instituições financeiras, os governos prestaram-se de imediato a “salvar” os bancos acorrendo com vultuosas injecções de capital. Para obter este capital os países recorreram a empréstimos nos “mercados” aumentando fortemente e muito rapidamente as suas dívidas públicas.
Ao mesmo tempo, os “mercados”, o mesmo é dizer as oligarquias financeiras internacionais, compreenderam de imediato a oportunidade que o momento lhes oferecia. Usando as empresas de rating, criadas por si e para seu benefício, aumentaram nos “mercados” os juros dos títulos da Dívida Públicas para assim obterem rapidamente maiores rendimentos. Por sua vez, o FMI, o BCE e a CE (no caso europeu), seus aliados e mandatários, prestaram-se a garantir aos países em maiores dificuldades os pagamentos dos seus juros e empréstimos da dívida através de resgates com condições de austeridade draconianas para os seus povos.
As dívidas públicas dos países são assim usadas pelas oligarquias financeiras, através dos seus comissários e comités políticos (FMI, BCE, CE), para transferir rendimentos dos assalariados de cada país para elas próprias. Com cortes nos salários, pensões e funções sociais do Estado, assistimos presentemente a uma regressão social jamais presenciada na História. Uma regressão social não provocada por guerras ou catástrofes naturais.
E, com um cinismo cruel, apresentam este futuro dramático como uma inevitabilidade histórica, pretendendo convencer os cidadãos de que as “culpas” são deles próprios ao “viverem acima das suas possibilidades”. E o cidadão, atónito, perplexo, confuso, enclausurado numa mistificação e propaganda tão intensa, parece tolhido na sua capacidade de reacção.
Haverá que desmistificar esta grande trapaça.
Desde logo, haverá que salientar a evidência - de que para existir devedores terão que existir credores. É uma evidência que contudo parece ser esquecida no caso das dívidas soberanas. Na verdade, se os países não possuem dinheiro para assegurar as suas funções sociais e recorrem à dívida é porque existem entidades que possuem esse capital disponível.
Os biliões de dívida dos países correspondem assim aos biliões possuídos pelos credores. E enquanto os países acumulam dívida, os credores acumulam capital. Existe assim uma relação entre a falta de capital dos Estados e o excesso de capital das entidades credoras, isto é, das oligarquias financeiras. A questão portanto, não é a falta de capital, a falta de crescimento da riqueza, mas a desigualdade na sua distribuição.
Os governos dos Estados deixaram de taxar o capital financeiro e com isso, dada a ascendência crescente do capital financeiro sobre o produtivo, recuaram nas suas receitas. Criaram os offshores, desregularam a “criação” e circulação de capitais e isentaram de taxas as operações financeiras. Os Estados vêem-se assim privados de vultuosas receitas, que numa distribuição mais justa de rendimentos, seria suficiente para manter e ampliar o estado social que agora pretendem abater. O mundo duplicou a sua riqueza desde 1980. A Alemanha aumentou a sua riqueza em 30% desde o ano 2000 e todos os outros países, uns mais outros menos, têm aumentado a sua riqueza ano após ano. Não existe assim razão lógica para uma diminuição das funções sociais asseguradas pelos Estados.
O agravamento das desigualdades na distribuição da riqueza, pela abdicação dos Estados em taxar as operações do capital financeiro, que hoje atingem proporções astronómicas (as trocas especulativas diárias são da ordem dos 1,5 triliões de dólares por dia, enquanto as trocas de bens e serviços realmente existentes mal atingem os 25 biliões, algo como 60 vezes menos) são a única causa dos problemas orçamentais dos Estados.
Os cidadãos só poderão inverter o ciclo miserável que os governantes lhe querem impor – mais austeridade, mais cortes sociais, aumento de impostos sobre o trabalho, diminuição de salário e pensões - quando colocarem à frente dos seus países governos independentes do capital financeiro e que apliquem uma equidade fiscal decente, extinguindo offshores e taxando as operações financeiras.

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terça-feira, agosto 02, 2011

À atenção do senhor ministro Álvaro dos Santos Pereira, que na audição parlamentar de hoje, afirmou - não saber o que é isso de neoliberalismo -

Princípios básicos da cartilha económica neoliberal

- mínima participação estatal nos rumos da economia de um país;
- pouca intervenção do governo no mercado de trabalho;
-previdência pública apenas para os miseráveis, os que “não deram certo”;
-protecção social tratada como questão individual, como decisão pessoal de se prevenir;
- direitos dos trabalhadores tratados como privilégios, fruto de populismo, e causa de desemprego e de ineficiência económica;
- política de privatização de empresas estatais;
- privatização dos serviços públicos, mesmo os considerados essenciais para a sociedade (água, luz, telefone, educação, saúde, previdência, etc.).
- livre circulação de capitais internacionais e ênfase na globalização;
- abertura da economia para a entrada de multinacionais;
- adopção de medidas contra o proteccionismo económico;
- simplificação do Estado: leis e regras económicas mínimas para facilitar os negócios;
- diminuição do tamanho do Estado;
- diminuição dos impostos do capital;
- contra o controle de preços dos produtos e serviços por parte do Estado, ou seja, a lei da oferta e procura é suficiente para regular os preços;
- despolitização da política económica, fim da macroeconomia: políticas macroeconómicas apresentadas como técnicas rígidas, divididas apenas em “responsáveis” ou “populistas”;
-enfraquecimento dos sindicatos;

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segunda-feira, agosto 01, 2011

RENDIÇÃO DE OBAMA

RENDIÇÃO DE OBAMA AO ARROCHO FISCAL INAUGURA NOVA ERA DA INCERTEZA E SINALIZA MAIS RECESSÃO: BOLSAS DESPENCAM EM TODO O MUNDO

Os mercados fazem gato e sapato de Obama. Depois do acordo fiscal leonino imposto ao democrata, que penaliza os pobres e poupa os ricos, precificam a instabilidade política e o agravamento recessivo que isso acarretará derrubando as bolsas de todo o mundo nesta 2º feira, horas antes da votação do pacote orçamentário. O capitalismo americano não iria acabar, fosse qual fosse o resultado do impasse fiscal no Congresso. Mas o desfecho esboçado nesta noite de domingo é quase uma rendição de Obama ao Tea Party, tendo merecido a repulsa da esquerda do partido Democrata. Formada por cerca de 70 parlamentares ela vocaliza os setores da sociedade que mais se engajaram na eleição de Obama. A proposta a ser votada nas próximas horas rompe as bases desse engajamento, põe em risco a reeleição democrata e fixa uma nova referencia de crise política dentro da crise financeira mundial. Obama não se mostrou uma alternativa histórica capaz de contrastar os interesses enfeixados pela supremacia das finanças desreguladas. Ao contrário de Roosevelt, em pleno colapso econômico, abraça um plano de arrocho fiscal que imobiliza o Estado e torna ainda mais incerta a recuperação americana e mundial. Pior que isso. A crise fiscal evidenciou a monopolização do sistema político norte-americano por uma direita extremista, filha da madrassa neoliberal ativada nas últimas décadas.Embebida em um laissez-faire rudimentar, indissociável de uma visão de mundo belicista, ela busca compensar a desordem intrínseca a sua ideologia com uma pregação moralista e religiosa de sociedade. Ao ceder em quase tudo o que exigia a ortodoxia extremista, Obama coloca a população pobre dos EUA na linha de tiro de cortes que podem chegar a US$ 3 trilhões em dez anos. Em contrapartida, seu plano de elevar a receita com maior imposto sobre os ricos foi engavetado. A rendição de Obama coloca o mundo à mercê de forças incapazes de exercer o poder americano com algum equilíbrio e discernimento. Ademais de irradiar instabilidade financeira, os EUA se transformam em fator de insegurança política global. A negociação orçamentária escancarou o que estava subentendido e consolidou uma dimensão atemorizante do passo seguinte da história. Os países em desenvolvimento devem extrair lições esse episódio. Mas, sobretudo, blindar sua agenda econômica e social contra os solavancos implícitos na nova era da incerteza
(Carta Maior; 2ª feira, 01/08)

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