segunda-feira, março 30, 2015

O mistério do “milagre económico português”

Na verdade, face ao continuadamente apregoado crescimento económico do país pela Troika portuguesa Coelho/Portas/Cavaco e, se bem me lembro, anunciado em primeira mão pelo caricato ministro da economia Pires de Lima em 2013 chamando-lhe então pomposamente “milagre económico português” eu, há primeira vista terei de dar o braço a torcer, porque sempre desacreditei da dita acção sobrenatural, e admitir que estaremos de facto em presença de um imenso e fantástico “milagre”.
  Analisando os dados que retratam o desenvolvimento da economia portuguesa dos últimos tempos, seguramente só por uma qualquer intervenção divina nós teríamos uma economia em crescimento. Senão vejamos:
O crédito concedido pelo sector financeiro quer às empresas quer às famílias, vem diminuindo consecutivamente. Em 2012 caiu 6,8 e 4,3, em 2013 caiu 5,5 e 4,0 e em 2014 caiu mais 4,9 e 3,3 respectivamente para as empresas e famílias (taxa de variação homóloga em percentagem).
Temos portanto desde 2012 um cada vez menor financiamento às empresas e às famílias, isto é, um cada vez menor financiamento à produção de bens e serviços e ao consumo. Será muito estranho e de difícil explicação que uma economia com tais parâmetros de financiamento possa encontrar-se a crescer. Ou será que as exportações, consideradas pelo governo como o mais fundamental sector estratégico do crescimento económico do país, apresentam resultados tão fabulosos que possam compensar todos os outros parâmetros negativos?
Só que, também aqui os resultados não são famosos, bem pelo contrário, são igualmente negativos uma vez que: em Janeiro de 2015, as Exportações de bens diminuíram 1,8% face ao mês homólogo isto é face a Janeiro de 2014.
Se a tudo isto adicionarmos os últimos dados publicados pelo INE, Eurostat e BP:
O índice de volume de negócios nos serviços apresentou, em Janeiro, uma variação homóloga nominal de -3,4%.
O índice de produção na construção apresentou em Janeiro uma variação homóloga de -4,0%. O Índice de Volume de Negócios na Indústria apresentou, em termos nominais, uma diminuição homóloga de 4,4% em Janeiro.
A dívida externa bruta passou de 225,1% do PIB em Dezembro de 2013 para 233,2% do PIB em Dezembro de 2014. Portugal registou a maior queda da taxa de emprego entre os Estados-membros da União Europeia (UE) no quarto trimestre do ano passado, ao recuar 1,4% face ao trimestre anterior.
A dívida pública na óptica de Maastricht, a que conta para Bruxelas, subiu de 224.477 milhões de euros em Dezembro de 2014 para 231.083 milhões em Janeiro de 2015.
Bem, então e atendendo a todos estes dados manifestamente contrários a um desejável crescimento da economia, poderá concluir-se que só algo de muito extraordinário e surpreendente estará a acontecer no país.

Na verdade, pesquisando um pouco, dou conta que foram alteradas as metodologias no cálculo dos valores das contas nacionais, com a aplicação do novo Sistema Europeu de Contas, o chamado SEC2010 já em 2015 e que veio substituir o anterior sistema de contas o SEC95 e que tal se traduz em impactos significativos nos valores do PIB, da Dívida e do Défice.
Assim, segundo o INE, “De acordo com as estimativas preliminares, as alterações metodológicas exclusivamente associadas ao SEC 2010 implicam um aumento médio de 2,4% no nível do PIB, dos quais 1,9 p.p. (cerca de 80% do impacto total) se deve à capitalização das despesas em investigação e desenvolvimento. O impacto metodológico restante é devido a diferentes factores, sendo o mais importante a capitalização das despesas militares, que representa 0,1%.”
Quanto ao Défice afirma-se: “estima-se um impacto de redução do défice público, na ordem das 2 a 3 décimas de ponto percentual”.
E, quanto à Dívida Pública: “a trajetória do rácio da dívida pública no PIB, embora idêntica à do cenário anterior, de manutenção do SEC95, situar-se-ia num nível mais baixo, explicado essencialmente pelo valor superior estimado para o PIB nominal”.
Finalmente, está encontrada a explicação do milagre do crescimento económico apregoado por Coelho, Portas e Cavaco. Tudo não passa afinal de uma conveniente “alteração metodológica” do cálculo das contas nacionais.

sábado, março 28, 2015

Cofres cheios … de dívida

Na verdade, a ministra acumulou cerca de 9.400 (Dezembro de 2014) milhões de euros de créditos dos credores internacionais. Foi ao mercado demasiado cedo e endividou o país em mais este montante a juros mais altos do que se tivesse ido mais tarde, dado que os juros das obrigações do Estado vêm diminuindo desde que o presidente do BCE Mario Draghi em Janeiro anunciou a compra de dívida pública dos países do euro (60 mil milhões de euros por mês, previsivelmente até Setembro de 2016).
Falhou nas previsões do valor dos juros e com isso obrigou os portugueses a pagarem mais pelos juros da dívida que contraiu fora de tempo. Mas sim, tem os cofres cheios de dívida. Recordemos que o valor da dívida pública passou de 151.775 milhões de euros (93,5% do PIB) em 2010 para 225.280 milhões de euros (130,2%) em 2014. Nestes últimos quatro anos, mais 73.505 milhões de euros de dívida, qualquer coisa como 18.400 milhões de euros por ano.
Com as eleições legislativas à porta, Maris de Luiz Albuquerque ultimamente não se limita a prestar informações técnicas sobre o seu ministério mas deu agora em entrar também na campanha de propaganda e mistificação política do seu governo. Diz a ministra que em 2011 “os portugueses tinham não só os cofres vazios como tinham também os bolsos vazios”. Se é certo que a crise internacional dos bancos, dos sistemas financeiros internacionais, elevaram os juros das dívidas públicas dos países economicamente mais frágeis do euro (Portugal, Grécia, Irlanda mas também a Espanha, Itália e mesmo a Bélgica e a França) a valores altos e inacessíveis, não é menos certo que os bolsos dos portugueses estavam então muito menos vazios do que se encontram hoje. Saberá a ministra ao certo o montante do dinheiro, o montante dos rendimentos, que nestes últimos três anos, 2012, 2013 e 2014, retirou dos bolsos dos portugueses? Por ventura ainda não se deu conta nem fez contas.
Em 2012, o governo de Coelho e Portas retirou dos “bolsos dos portugueses” 9.042,3 milhões de euros (resultado das chamadas medidas de consolidação orçamental, OE-2012) mais 3.226,3 milhões de euros como resultado da redução salarial dos trabalhadores do sector privado. Tudo somado temos para o ano de 2012 uma diminuição do rendimento das famílias portuguesas de cerca de 12.268,6 milhões de euros. Em 2013, não só manteve todos estes cortes como os agravou em mais 5.300 milhões de euros (na chamada consolidação orçamental para 2013) o que se traduz numa diminuição de dinheiro nos “bolsos dos portugueses” de cerca de 17.568,6 milhões de euros. Em 2014 não só manteve a austeridade de 2013como a agravou em 3.900 milhões de euros, isto é, retirou dos “bolsos dos portugueses” mais 21.468,7 milhões de euros.
Tudo somado verifica-se que os “bolsos dos portugueses” estão hoje, após estes três anos, mais “vazios” em cerca de 51.306 milhões de euros do que estavam em 2011. Então senhora ministra, ainda tem vontade de brincar, de manipular, de mistificar politicamente com a desgraça e a miséria que a senhora e o seu governo impos aos portugueses desde 2011?
A senhora e o seu governo retiraram ao rendimento das famílias portuguesas, retiraram da capacidade aquisitiva das famílias, retiraram da economia, um montante astronómico, quase ao equivalente ao empréstimo da Troika e tem a ousadia de querer comparar o rendimento dos portuguese obtidos em 2011 com os que obtêm hoje?
Cegos em seus preconceitos ideológicos, sem um pingo de vergonha, sem qualquer valor ou sentido patriótico, ousam pretender manter e agravar, a austeridade sem fim com que empobrecem os portugueses e tornam a economia portuguesa cada vez mais débil e miserável?
Tenham vergonha!

sexta-feira, março 20, 2015

António Costa

A liderança do PS parece andar à deriva. Quando seria necessário uma liderança forte, eficaz e credível, capaz de aglutinar e motivar o descontentamento generalizado dos cidadãos martirizados por uma elite governante que serve unicamente as oligarquias financeiras credoras António Costa enreda-se em questões políticas marginais e longe das preocupações dominantes dos cidadãos.
É assim agora com a questão do processo de escolha do governador do banco de Portugal, ao ponto de pedir ao PSD uma “alteração cirúrgica” da Constituição. Que garantias a liderança do PS pode oferecer aos cidadãos de que com esta alteração a personalidade seleccionada para o cargo de governador seja mais competente e isenta nas suas funções do que pela selecção que temos agora? Nenhumas seguramente.
Torna-se claro que o PS não quer comprometer-se, não quer tomar uma posição clara sobre as políticas neoliberais, sobre as políticas de austeridade sem fim, dominantes na união europeia, adoptadas pela Troika e pelo governo Coelho/Portas. Quando António Costa afirma que se ultrapassaram os limites da austeridade, “o limite dos limites à austeridade, o limite dos limites a todos os cortes, tem de ser a dignidade da pessoa humana”, será porque se admite a austeridade até um determinado limite sendo esse limite a “dignidade humana” seja lá o que isso signifique de concreto.
Nos últimos anos deu-se uma alteração profunda na natureza do capitalismo. O domínio do capitalismo produtivo deu lugar ao domínio do capitalismo financeiro. E os governos europeus tornaram-se reféns, cúmplices e agentes deste domínio, na defesa dos interesses dos “mercados financeiros”, a arma mais mortífera do capital financeiro, o que vem provocando uma alteração profunda das relações capital/trabalho, um “novo” modelo social, com uma nova distribuição da riqueza, com menos direitos sociais, com redução salariais, com privatizações, reduzindo as funções do estado ao chamado “estado mínimo”, privatizando a Educação, a Saúde e a Protecção Social e o património estatal. E todos os governos europeus, socialistas, sociais-democratas, trabalhistas, liberais ou cristãos democratas agem por igual na concretização desta mudança estrutural económica e social, nesta mudança estrutural da sociedade. E dizem, supremo cinismo, não haver alternativa a este modelo anti-social que atira para a pobreza a chamada classe média enquanto gera maiores rendimentos a uma minoria dos mais ricos detentores dos “mercados financeiros” e grandes corporações económicas.
Do que se trata afinal é do ataque “revolucionário” de uma classe social dominante, de uma classe social constituída por banqueiros, donos de grandes empresas, gestores de topo e elites políticas, contra a esmagadora maioria da população, contra os trabalhadores e a pequena burguesia (amplas camadas da população, professores, médicos, administrativos, operários qualificados, pequenos comerciantes e pequenos industriais). A classe média, viu-se de um momento para outro, quando atacada nos seus rendimentos e no seu bem-estar pelas medidas neoliberais da austeridade sem fim, completamente desprotegida, sem que os partidos da área da social-democracia (socialistas e sociais-democratas) até aí seus defensores tradicionais se empenhassem em sua defesa. Ao contrário, deram-se conta que quer os partidos socialistas quer os partidos socias democratas não só ignoravam a defesa dos seus interesses como igualmente se mostravam carrascos para com eles. Ficaram sem qualquer partido que os defendesse e os representasse.
António Costa e o PS terão que definir-se – ou alinham com este ataque social de uma minoria financeiramente dominante cuja ganancia é e será sempre insaciável ou está ao lado da esmagadora maioria da população. Alinhar com o PS espanhol ou afirmar que o “Governo grego está a ser desajeitado nas negociações com os parceiros europeus” não parecem ser posições de aproximação e defesa dos interesses da classe média. Os eleitores gregos e espanhóis já se afastaram dos socialistas. Em França, Hollande já perdeu o seu apoio eleitoral.
Ou António Costa e o PS preferem manter um alinhamento, ainda que envergonhado, aos ideais neoliberais e às políticas de austeridade que deles emergem, colocando-se ao lado da defesa dos interesses anti sociais de uma minoria dominante económica e financeiramente ou, rompendo com esta postura, abraça de vez e sem hesitações a defesa dos interesses e dos direitos sociais da esmagadora maioria da população.
Manter esta indecisão, por mais tiradas avulsas contra a austeridade que se lancem, pouco ou nada favorecerá o alcance de uma pretensa maioria eleitoral.

quinta-feira, março 12, 2015

Assim vai o “milagre” económico português

Assim vai o “milagre” económico português:
 Em Janeiro de 2015, as Exportações de bens diminuíram 1,8% face ao mês homólogo.
 O índice de volume de negócios nos serviços apresentou, em Janeiro, uma variação homóloga nominal de -3,4%.
 O índice de produção na construção apresentou em Janeiro uma variação homóloga de -4,0%.  
 O Índice de Volume de Negócios na Indústria apresentou, em termos nominais, uma diminuição homóloga de 4,4% em Janeiro.

domingo, março 08, 2015

A intransigência neoliberal do eurogrupo e a resposta do Syriza

Caem num tremendo erro todos aqueles defensores da austeridade sem fim e da política imperial da união europeia liderada pela Alemanha quando conjecturam sobre a actuação política futura do novo governo grego. A tese defendida é a de que logo que o governo do Syriza se confronte com a realidade - e para eles a realidade é de que não há alternativa ao caminho da austeridade traçado pela Alemanha e seguido por todos os outros – todas as suas promessas eleitorais cairão por terra com a aceitação de todas as medidas impostas pelo cardeal Schauble um dos maiores crentes dos dogmas neoliberais.
  Eles parecem não compreender que o Syriza, tal como o Podemos em Espanha ou o nosso movimento “que se lixe a troika” (se os seus líderes se tivessem a seu tempo constituído numa formação política) que estes partidos não se afirmam por qualquer uma das ideologias convencionais. Não são socialistas, nem trabalhistas, nem liberais, nem social-democratas, nem democratas cristãos, nem comunistas.
Eles são apenas contra as medidas neoliberais, contra a austeridade sem fim. E, é por esta razão que têm vindo a ganhar uma grande expressão social e eleitoral uma vez que todos os outros partidos, quer sejam socialistas ou social-democratas que governam na união europeia, não só se demitiram de defender as populações da devastação neoliberal como alinharam na sua defesa e aplicação.
Na verdade, amplas camadas da população, professores, médicos, administrativos, operários qualificados, pequenos comerciantes e pequenos industriais, numa palavra, a classe média, viu-se de um momento para outro, quando atacada nos seus rendimentos e no seu bem-estar pelas medidas neoliberais da austeridade sem fim, completamente desprotegida, sem que os partidos da área da social-democracia (socialistas e social-democratas) até aí seus defensores tradicionais se empenhassem em sua defesa. Ao contrário, deram-se conta que quer os partidos socialistas quer os partidos socias democratas não só ignoravam a defesa dos seus interesses como igualmente se mostravam carrascos para com eles. Ficaram sem qualquer partido que os defendesse e os representasse. Esta a razão do fulgurante aparecimento do Podemos ou do Syriza.
  Não será credível portanto, que o Syriza venha a ceder em suas promessas eleitorais e a adoptar as medidas neoliberais que lhe querem impor a todo o custo tal como fez entre outros o partido socialista francês. Desenganem-se de vez. Compreendam que estão a enfrentar uma realidade nova.
Com certeza que a Grécia irá enfrentar tempos difíceis, uma vez que será muito pouco provável esperar alguma cedência do radicalismo neoliberal da Alemanha, de Schauble e dos seus comparsas Rajoy ou Coelho.
  O Syriza anunciou hoje, a manter-se a intransigência neoliberal do eurogrupo, estar pronto a promover um referêndum sobre a saída da Grécia do euro.
É o caminho, por mais difícil que se mostre.