segunda-feira, janeiro 30, 2017

A CIMEIRA DOS PAÍSES DO SUL EM LISBOA

Não faz sentido numa comunidade económica de países, com a mesma moeda, não existir um qualquer mecanismo que permita que o preço do dinheiro de financiamento seja igual para qualquer país dessa comunidade. Não faz sentido que a Alemanha, por exemplo, se financie a juros negativos e Portugal a juros de 3 ou 4%. Quando se exigem comportamentos orçamentais iguais em todos os países do euro, veja-se a sujeição ao Tratado Orçamental, não se compreende que não se criem condições iguais de financiamento.
  O BCE que prepare os euro-bonds e permita que qualquer país se possa financiar através deles e assim obter financiamento a juros mais baixos e iguais para todos. Os países que hoje têm que suportar um custo da dívida muito elevado, procurariam tão rápido quanto possível, trocar a sua dívida por euro-bonds, aliviando deste modo o custo da sua dívida e libertando verba para Investimento público e baixa de impostos.
Só assim os países da comunidade veriam ser criadas condições de efectiva convergência económica e social. Até lá, o que existe realmente é uma assimetria e divergência cada vez maiores entre países.

sexta-feira, janeiro 27, 2017

OS ÓRFÃOS DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL

Era o caminho inevitável, que superava tudo o que a História havia vivido antes. O livre comércio, a abertura dos mercados nacionais, o fim dos Estados nacionais, a livre circulação dos capitais, a mundialização dos investimentos: na globalização neoliberal desembocava inexoravelmente o movimento histórico da universalização das relações capitalistas, iniciado há vários séculos atras.
Vivíamos esse momento privilegiado de mercantilização do mundo, frente ao qual desapareceriam as alternativas, todas restringidas, nacionais, anti mercantis, desapareceriam as regulações que obstaculizavam a livre expansão do capital. Nos países da América Latina que actuaram a contramão dessa tendência global irreversível, retomaram há poucos meses, Argentina e no Brasil, o caminho da globalização neoliberal e o futuro neoliberal parecia voltar a abrir-se para esses países.
A eleição de Hillary Clinton vinha coroar esse futuro, com um neoliberalismo renovado, tendo a Macri e a Temer como protagonistas. Tudo estava preparado para que a história da América Latina retomasse o caminho equivocadamente abandonado pela via do populismo. Neste momento Hillary Clinton estaria desfilando pelas passarelas políticas da região usando o seu look neoliberal e celebrada pelos governos de Macri e de Temer. O Chile havia declarado que o TPP era o acordo do século. O México havia jugado todo o seu destino no Tratado de Livre Comércio da América do Norte.
De repente, o voto de saída do Reino Unido da União Europeia anunciava que algo estava fora da ordem mundial prevista.
Em seguida, Donald Trump ganha e anula a participação os EE.UU. no TPP, assim como desiste do Tratado de Livre Comércio com a Europa e questiona o Tratado com o México e o Canadá.
A bússola dos neoliberais baralha-se. O futuro já não é o que seria. Certo que quem lhes havia vendido esse futuro, o negam agora e voltam ao proteccionismo, que diziam que estava ultrapassado definitivamente. Saem dos acordos de livre comércio que anunciavam que era o destino obrigatório. Retornam à defesa dos empregos dentro do país, quando exploravam mão de obra barata fora como meio de melhorar a concorrência.
Enfim, o futuro já não é o que era. Voltou a estar aberto. O que se dizia que era ultrapassado volta com força. O que se prometia como destino inexorável, deixa de o ser.
Os que amarraram o seu destino à globalização neoliberal, ficaram órfãos. O chanceler José Serra prometia levar o Brasil ao TPP, que agora não mais existe. Argentina e Brasil trataram de debilitar a integração regional, em função da subordinação aos EE.UU. Agora, da mesma maneira que ao México, fecham-se as portas. (À Argentina já lhe custou o amargo do encerramento da exportação de limões. Ao México custa-lhe tudo: investimentos, empregos, remessas desde EE.UU.)
Não há destino obrigatório para a humanidade. O futuro está aberto, será decidido pelas vias que os povos decidam, democraticamente. ¿Porque não a Argentina, o Brasil e o México, com governos soberanos, decidirem proximamente reencaminhar as suas políticas externas e ampliar e reforçar os processos de integração latino-americana, estreitamente articulados aos Brics? ¿Porque não?
Emir Sader (Pagina12)

segunda-feira, janeiro 23, 2017

TRUMP OU O FIM DO NEOLIBERALISMO “PROGRESISTA”

A eleição de Donald Trump é mais uma de uma série de insubordinações políticas espectaculares que, em conjunto, apontam a um colapso da hegemonia neoliberal. Entre essas insubordinações, podemos mencionar entre outras, o voto do Brexit no Reino Unido, a recusa das reformas de Renzi em Itália, a campanha de Bernie Sanders e o apoio popular crescente da Frente Nacional em França.
Ainda quando diferem em ideologia e objectivos, esses motins eleitorais partilham um espaço comum: rechaçam a globalização das grandes multinacionais, o neoliberalismo e o establishment político. Em todos os casos, os votantes dizem “¡Não!” à combinação letal da austeridade, livre comércio, dívida predadora e trabalho precário e mal pago que caracteriza o actual capitalismo financeirizado. Os seus votos são uma resposta à crise estrutural desta forma de capitalismo, crise que ficou exposta pela primeira vez com o quase colapso da ordem financeira global em 2008.
Sem dúvida, até há pouco tempo, a reposta mais comum a esta crise eram os protestos sociais avulso: espectaculares e vívidos, desde logo, mas de carácter efémero. Os sistemas políticos, ao contrário, pareciam relativamente imunes, todavia controlados por funcionários de partido e elites do establishment, pelo menos nos estados capitalistas poderosos como os EEUU, o Reino Unido e a Alemanha. Mas agora as ondas de choque das eleições reverberam por todo o planeta, incluídas as cidadelas das finanças globais.
Quem votou Trump, como quem votou pelo Brexit ou contra as reformas italianas, se levantou contra os seus amos políticos. Ludibriando as direcções dos partidos, repudiaram o sistema que provocou a erosão das suas condições de vida nos últimos trinta anos. O surpreendente não é que o tenham feito agora, senão que tenham tardado tanto.
Não obstante, a vitória de Trump não é somente uma revolta contra as finanças globais. O que os seus votantes rechaçaram não foi o neoliberalismo sem mais, senão o neoliberalismo “progressista”. Isto pode soar estranho, mas trata-se de algo, ainda que perverso, muito real: é a chave para entender os resultados eleitorais nos EEUU e talvez também para compreender a evolução dos acontecimentos noutras partes.
Na forma que apareceu nos EEUU, o neoliberalismo “progressista” é uma aliança das correntes dominantes dos novos movimentos sociais (feminismo, anti-racismo, multiculturalismo e direitos LGBTQ) por um lado e, por outro, o mais alto nível de sectores de negócios “simbólicos” e de serviços (Wall Street, Silicon Valley e Hollywood). Nesta aliança, as forças progressistas uniram-se efectivamente com as forças do capitalismo cognitivo, especialmente a financeirização. Ainda que sem querê-lo, o certo é que as primeiras colaboraram e ofereceram o seu carisma a estas últimas.
O neoliberalismo “progressista” desenvolveu-se nos EEUU durante estas três últimas décadas e foi rectificado pelo triunfo eleitoral de Bill Clinton em 1992. Clinton foi o principal organizador dos “Novos Democratas”, o equivalente estado-unidense do “Novo Laborismo” de Tony Blair.
Em vez da coligação do New Deal entre trabalhadores industriais sindicalizados, afroamericanos e classes médias urbanas, Clinton forjou una nova aliança de empresários, residentes dos subúrbios, novos movimentos sociais e juventude: todos proclamando orgulhosos a honestidade das suas intenções modernas e progressistas, a favor da diversidade, o multiculturalismo e os direitos das mulheres.
Ainda quando o governo de Clinton apoiou essas ideias progressistas, também cortejou a Wall Street. Passando o controlo da economia para o Goldman Sachs, desregulou o sistema bancário e negociou tratados de livre comércio que aceleraram a desindustrialização.
As políticas de Clinton que foram continuadas pelos seus sucessores, incluindo por Barak Obama- degradaram as condições de vida de todo o povo trabalhador, mas especialmente dos trabalhadores industriais.
A nível pessoal, não derramarei nenhuma lágrima pela derrota do neoliberalismo “progressista”. É verdade: há muito que temer de uma administração Trump racista, anti imigrante e anti ecológica. Mas não deveríamos lamentar nem a implosão da hegemonia neoliberal nem o derrube do clintonismo e a sua tenaz de ferro sobre o Partido Democrata. A vitória de Trump significa uma derrota da aliança entre emancipação e financeirização. Mas esta presidência não oferece solução alguma à presente crise, não traz consigo a promessa de um novo regime nem de uma hegemonia segura. O que enfrentamos é bem mais um interregno, numa situação aberta e instável na qual os corações e as mentes estão em jogo. Nesta situação, não só há perigos, também há oportunidades: a possibilidade de construir uma Nova Esquerda.
Nancy Fraser 23.01.2017

sábado, janeiro 21, 2017

UMA OUTRA LEITURA SOBRE OS PROPÓSITOS DE DONALD TRUMP

O que irrita e enfurece verdadeiramente a elite social, política, económica e financeira mundial, não são tanto as declarações e propostas mais condenáveis de Donald Trump, como o seu projecto de expulsar os 11 milhões de imigrantes ilegais latinos ou as suas declarações sobre o "engano" da mudança climática ou ainda a sua afirmação de que o matrimónio tradicional, formado por um homem e uma mulher, é "a base de uma sociedade livre", mas o que ele se propõe executar na esfera financeira, económica e social e que constitui realmente uma real ameaça à ordem neoliberal mundial, ao establishment, às elites financeiras, económicas, políticas, intelectuais e mediáticas mundiais.
É por esta razão, que assistimos através dos meios de comunicação social, à agitação em que vivem no momento as forças do establishment, do “pensamento único”, da América à Europa, e da fúria com que investem contra o novo Presidente dos USA.
A ordem neoliberal tem como um dos seus principais fundamentos a desregulação dos mercados, económicos e financeiros. Acontece que Donald Trump se propõe contrariar tais princípios.
Deseja o restabelecimento da Ley Glass-Steagall. Aprovada em 1933, em plena Depressão, esta lei separou a banca comercial da banca de investimentos com o objectivo de evitar que a primeira pudesse fazer investimentos de alto risco, sendo revogada na presidência de Clinton. Donald Trump propõe-se, por outro lado, aumentar significativamente os impostos dos Hedge Funds, que segundo ele ganham fortunas na especulação financeira. Ora, todo o sector financeiro se opõe absolutamente ao estabelecimento destas medidas.
Ao denunciar a globalização económica Donald Trump investe uma vez mais contra a ordem neoliberal estabelecida e cultivada até aqui pela comunidade europeia e pelos USA, pela senhora Merkel e por Obama. Ele denuncia a globalização económica e considera que a economia globalizada está falhando a cada vez mais gente, recordando que, nos últimos 15 anos, nos Estados Unidos, mais de 60.000 fábricas tiveram que fechar e quase cinco milhões de empregos industriais bem pagos desapareceram.
Afronta igualmente a ordem neoliberal e os pressupostos da globalização, ao manifestar-se a favor do Brexit, e ao pretender taxar os produtos importados e ao denunciar, os tratados comerciais NAFTA e TPP.
Um outro atentado à ordem neoliberal por si anunciado é o propósito de mudar os fundamentos da Nato.
Ora, a Nato passou a constituir a partir dos anos 80, o suporte militar da ofensiva económica, da expansão económica, da nova ordem neoliberal. Pretender retirar a Nato deste objectivo é para o establishment neoliberal uma profunda derrota e algo inaceitável de todo.
As guerras provocadas pela expansão económica do neoliberalismo, como as do Iraque, da Síria e da Líbia estão fora dos propósitos de Donald Trump. Uma aproximação à Rússia e um eficaz combate ao Daesh são decisões igualmente contrárias às ambições da ordem neoliberal.
Por outro lado, quando Donald Trump afirma que “os outros países são livres de seguirem o seu caminho, de pensarem de modo diferente” ele rejeita assim a hegemonia do “pensamento único”, da expansão hegemónica ideológica do neoliberalismo o que constitui sem dúvida um ataque severo, uma autêntica heresia, aos dogmas neoliberais e às ambições das elites económicas, financeiras, políticas e mediáticas dos USA e da UE.
  A manter as suas promessas, será duro o seu confronto com a ordem neoliberal. Donald Trump correrá sérios riscos pessoais. Densas nuvens negras irão pairar sobre a sua presidência.

quinta-feira, janeiro 19, 2017

O ACORDO DE CONCERTAÇÃO SOCIAL E A DESCIDA DA TSU PARA OS PATRÕES

Antes de mais analisemos em que consistiu o acordo de concertação social alcançado pelo governo de António Costa.
De um lado temos as associações patronais representativas de 100% dos patrões, do outro, temos os sindicatos onde apenas a UGT, representativa de cerca de 20% dos trabalhadores, se prestou a assinar o acordo.
Nestas condições, onde cerca de 80% dos trabalhadores representados pela CGTP, estão em desacordo, como é possível considerar o acordo alcançado como um verdadeiro acordo de concertação social?
Não, chamem-lhe o que quiserem mas nunca se poderá chamar ao dito “acordo” entre os patrões, a UGT e o governo, um verdadeiro acordo de concertação social.
É uma mentira. É uma falácia. Uma falácia usada repetidas vezes pelo anterior governo de Coelho/Portas sem que alguma vez tivesse merecido a devida denuncia social.
 
Torna-se lamentável que o governo do PS não tentasse quanto o necessário, trazer a CGTP para o acordo, preferindo antes partilhar da mistificação usada pelo anterior governo de aceitar e dar crédito a um acordo onde os trabalhadores só têm uma representatividade de 20%.
Esperava-se, toda a esquerda esperaria, que o governo gozando do apoio parlamentar dos partidos de esquerda, invertesse e rompesse com esta política mistificadora e de mentira de anteriores acordos de concertação, assinados apenas com uma representação de 20% dos trabalhadores e desta vez exigisse a si próprio um verdadeiro acordo de concertação social com a integração da CGTP.
Nenhum esforço foi feito nesse sentido por parte de Vieira da Silva. Seguiu-se simplesmente a mesma lógica mistificadora de negociações do anterior governo.