sexta-feira, janeiro 27, 2017

OS ÓRFÃOS DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL

Era o caminho inevitável, que superava tudo o que a História havia vivido antes. O livre comércio, a abertura dos mercados nacionais, o fim dos Estados nacionais, a livre circulação dos capitais, a mundialização dos investimentos: na globalização neoliberal desembocava inexoravelmente o movimento histórico da universalização das relações capitalistas, iniciado há vários séculos atras.
Vivíamos esse momento privilegiado de mercantilização do mundo, frente ao qual desapareceriam as alternativas, todas restringidas, nacionais, anti mercantis, desapareceriam as regulações que obstaculizavam a livre expansão do capital. Nos países da América Latina que actuaram a contramão dessa tendência global irreversível, retomaram há poucos meses, Argentina e no Brasil, o caminho da globalização neoliberal e o futuro neoliberal parecia voltar a abrir-se para esses países.
A eleição de Hillary Clinton vinha coroar esse futuro, com um neoliberalismo renovado, tendo a Macri e a Temer como protagonistas. Tudo estava preparado para que a história da América Latina retomasse o caminho equivocadamente abandonado pela via do populismo. Neste momento Hillary Clinton estaria desfilando pelas passarelas políticas da região usando o seu look neoliberal e celebrada pelos governos de Macri e de Temer. O Chile havia declarado que o TPP era o acordo do século. O México havia jugado todo o seu destino no Tratado de Livre Comércio da América do Norte.
De repente, o voto de saída do Reino Unido da União Europeia anunciava que algo estava fora da ordem mundial prevista.
Em seguida, Donald Trump ganha e anula a participação os EE.UU. no TPP, assim como desiste do Tratado de Livre Comércio com a Europa e questiona o Tratado com o México e o Canadá.
A bússola dos neoliberais baralha-se. O futuro já não é o que seria. Certo que quem lhes havia vendido esse futuro, o negam agora e voltam ao proteccionismo, que diziam que estava ultrapassado definitivamente. Saem dos acordos de livre comércio que anunciavam que era o destino obrigatório. Retornam à defesa dos empregos dentro do país, quando exploravam mão de obra barata fora como meio de melhorar a concorrência.
Enfim, o futuro já não é o que era. Voltou a estar aberto. O que se dizia que era ultrapassado volta com força. O que se prometia como destino inexorável, deixa de o ser.
Os que amarraram o seu destino à globalização neoliberal, ficaram órfãos. O chanceler José Serra prometia levar o Brasil ao TPP, que agora não mais existe. Argentina e Brasil trataram de debilitar a integração regional, em função da subordinação aos EE.UU. Agora, da mesma maneira que ao México, fecham-se as portas. (À Argentina já lhe custou o amargo do encerramento da exportação de limões. Ao México custa-lhe tudo: investimentos, empregos, remessas desde EE.UU.)
Não há destino obrigatório para a humanidade. O futuro está aberto, será decidido pelas vias que os povos decidam, democraticamente. ¿Porque não a Argentina, o Brasil e o México, com governos soberanos, decidirem proximamente reencaminhar as suas políticas externas e ampliar e reforçar os processos de integração latino-americana, estreitamente articulados aos Brics? ¿Porque não?
Emir Sader (Pagina12)